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A ILHA DOS EONS: AS HISTÓRIAS DE ILHAS E MUNDOS PERDIDOS DE HOWARD

Por Marcelo Souza




A Ilha dos Eons não é uma das obras mais conhecidas de Robert Ervin Howard. A narrativa foi publicada durante os anos de 1980, quando o “boom” do autor de Cross Plains já era uma realidade.

Foi somente a imensa popularidade da obra como um todo do texano que fez com que fosse possível a publicação de fragmentos como esse que, além de terem ficado incompletos, ultrapassam os limites da imaginação, tendo-se em conta, inclusive, que estamos falando de uma obra de fantasia.


Iniciamos afirmando que a “Ilha dos Eons” foi uma novela inconclusa de Robert Howard, que o autor chegou a tecer vários rascunhos e sinopses para desenvolvê-la mais tarde, sendo o fragmento de 1928, o último que ele se ocupou de datilografar (mostrando ali que a trama estava entrando já em seu final).


Howard não chegou a escrever o final da história e coube então ao escritor, Robert M. Price (que finalizou vários fragmentos inacabados de Howard) finalizar a trama. O resultado ficou bem interessante de se ler e muito próximo daquilo que a sinopse deixada por Howard apontava para o final da aventura.


Com relação aos pormenores dessa história, deixemos que o editor Javier Jimenez Barco nos esclareça vários detalhes deste conto de Howard. Vejamos seus apontamentos:


“Ainda que no princípio se pensou que a obra havia sido escrita originalmente em 1925, os manuscritos completos, entregues por Glenn Lord, permitiram descobrir que Howard havia trabalhado nela desde o ano de 1925 até 1930, ou seja, durante os anos mais vitais do autor em sua formação como escritor.

Simplesmente não existe nenhum outro exemplo de uma história em que Howard chegasse a trabalhar quase 4 anos, reescrevendo-a em várias ocasiões e trazendo diferentes sinopses. Também nesse sentido resulta única, pois nosso autor era muito dado a escrever “corrido” e nem sempre realizava sinopses, e muito menos (re) escrituras. A história devia significar algo especial para ele, algo que não é difícil de compreender quando se tem em conta que seu argumento nasceu de um dos episódios mais misteriosos da vida de Howard: sua breve hostilidade com seu melhor amigo, Tevis Clyde Smith, durante o verão de 1925, depois de uma série de incidentes em que tomaram parte Howard e “Glória”, a mulher que saia com Smith na época.


O material sobrevivente de “The Isle of Aeons” consiste em uma primeira versão de 62 páginas e uma segunda, também inacabada, de 35 páginas. Além dessas duas versões, existem duas sinopses bastante simples dos elementos a serem desenvolvidos na trama. De todo esse material, apenas as 26 primeiras páginas da versão 1 (que daqui em diante chamaremos A1), foram escritas em julho de 1925, ou seja, quando, como se acreditava anteriormente, todas elas foram escritas.

[...]



Em Post Oaks e Sand Roughs, Howard menciona que o começo da escrita para “The Isle of Aeons” foi um tanto caótico. Depois que ele começou a escrever a história, ele deixou-a de lado para escrever "Wolfshead". As 26 páginas da parte Al de “A Ilha dos Eons” parecem confirmar isso. Entre 7 e 16 de julho de 1925, Howard jogou fora sua velha máquina de escrever e comprou a agora famosa Underwood D5. Existem diferenças notáveis ​​entre as duas máquinas, e o restante das páginas de “A Ilha dos Eons” foi datilografado com a nova máquina.


Por outro lado, todas as folhas não possuíam título e número de página e apresentavam um grande número de erros gramaticais e de vocabulário que logo desapareceriam da produção do texano. Além disso, essas folhas mostram evidências de reescritas e correções gramaticais que Howard não costumava fazer pessoalmente naquele momento específico de sua produção, uma vez que costumava encomendá-las a seu amigo, Winifred Brigner (o "Fred Gringer" em Post Oaks e Sand Roughs).


A Parte A1 de “A Ilha dos Eons” ocorre durante a Primeira Guerra Mundial (algo que foi alterado para um tempo mais recente na segunda versão). A história começa com o resultado de uma batalha naval no Oceano Pacífico. Depois disso, o protagonista e narrador, um virginiano do sul dos EUA conhece um marinheiro inimigo, a quem ele chama de "holandês" ou "o holandês", enquanto o outro o chama de "ianque". Apesar da inimizade de suas nações, um e outro serão forçados a estabelecer uma aliança desconfortável para sobreviver.

[...]

Não há nada nos documentos ou correspondências de Howard que sugira que ele tenha lido a saga de Caspak de Edgar Rice Burroughs, publicada em forma de livro em junho de 1924, sob o título comum The Land that Time Forgot” - A Terra que o Tempo Esqueceu -, (mas que também foi publicada na revista pulp Amazing Stories em 1927, com capa de Frank R. Paul dando destaque para a História de Burroughs na própria arte de capa) e que é composta por três romances curtos escritos entre 1917 e 1918.


Dado o número de livros de Burroughs na casa de Howard, há algumas possibilidades de que ele tenha sacado, a partir dali o ponto de partida para a sua história. Um dos principais temas de “A Terra que o Tempo Esqueceu” é a rivalidade entre Bowen Tyler e o Barão von Schoenvoerts, não apenas pelo fato de ambos pertencerem a facções opostas na guerra que está ocorrendo, mas também pelo fato de que "A garota", a adorável Lys la Rue, estava prestes a se casar com o alemão pouco antes do início da guerra. Portanto, não é irracional considerar essa rivalidade amorosa entre os alemães e os norte-americanos como um possível catalisador na história de Howard, embora o elemento sentimental da rivalidade aparentemente "ilógica" entre os virginianos e holandeses não apareça em “A Ilha dos Eons”.


Na primeira parte da primeira versão, a atitude do personagem "Howardiano" em relação ao holandês é de desconfiança, beirando da paranóia. Uma paranóia que aparece com frequência em muitos de seus primeiros trabalhos, como «The Shadow Kingdom» "O Reino das Sombras", cuja premissa básica é que as pessoas nem sempre são exatamente o que parecem ser. Algo que o protagonista de “The Isle of Aeons” parece levar em consideração, já que, em uma cena em que ele é atacado por um oponente desconhecido, o primeiro candidato a ser "culpado" é o seu oponente holandês, provando que, para o protagonista, continua sendo um inimigo em potencial.


Sete meses depois de escrever a primeira parte, em fevereiro ou março de 1926, Howard terminou sua primeira história de Bran Mak Morn, "Men of the Shadows", que seria rejeitada por Farnsworth Wright, editor da Weird Tales.


A história mostra as influências do que Howard estava lendo naquela época, especialmente quando menciona as sucessivas raças da humanidade (os lemurianos são a segunda e os atlantes a terceira), no que parece não ser apenas uma influência de Helena Blavatski, mas também de “The Prehistoric World or Vanished Races” de E.A Allen, um livro que estava na estante de Howard.


O texano voltou a escrever sua “A Ilha dos Eons” por volta de março de 1926, assim que terminou "Men of the Shadows" e continuou a trabalhar nela pelo resto do ano.


O incrível deste segundo trecho da primeira versão (vamos chamá-lo de A2) é que ele começa exatamente de onde você parou na parte inferior da página 26 e adiciona outras 18 páginas à história. Nessa ocasião, começou a ficar cada vez mais claro para Howard onde ele estava indo com a narração, e realizou uma sinopse (na verdade duas) com um esboço da sucessão dos diferentes eventos a serem desenvolvidos e que constitui até o dia de hoje, a única fonte de informação sobre como Howard pretendia terminar a história.


Durante este segundo fragmento da primeira versão (A2), o autor compara a arquitetura da ilha com os theocalis astecas de Tezcuco e os salões de Mitla, nos quais demonstra uma forte influência do livro de referência mencionado anteriormente por E.A. Allen.


Todas as menções do nosso autor texano a Nahua, Tezcuco, Uxmal, Palenque, Mitla, Xochicalco, Tezcocingo e o Banho de Moctezuma são tiradas diretamente de Allen, que sem incluir uma série de termos que, até agora, Howard nunca incluíra ("Terrenos de Mesa", "Reservatórios", "Terraços"...).

A descrição dos monumentos que os dois homens encontram na ilha reflete muitas das ilustrações do livro de Allen, como as dos Salões de Mitla e dos banhos de Moctezuma. Howard parecia particularmente fascinado com o livro de Allen, já que esta segunda parte é mais dedicada à exploração da ilha, ignorando parcialmente a sucessão de monstros que apareceram na anterior. Além disso, a nova orientação da história forçou o autor a dotar seus personagens de qualidades um pouco mais intelectuais. Enquanto o americano obteve seu conhecimento de arte "nas melhores galerias de arte do mundo", o holandês confirma ao Yankee que estudou "em Heidelberg, em Berlim, em Paris, em Amsterdã e em todo o mundo" em uma passagem que parece cópia do capítulo 17 de “A Guarda do Diabo” (The Devil’s Guard), de Talbot Mundy, que, aliás, acabara de ser publicada pela revista Adventure durante o verão daquele ano.


Quanto às teorias sobre a Atlântida e a Lemúria, Howard parece acompanhar de perto “The Problem of Atlantis” (O Problema da Atlântida, de 1924), de Lewis Spense, onde o homem de Cro-Magnon teria se originado na Atlântida, como Howard afirma com contundência no presente trabalho. De fato, logo depois, em uma carta escrita a Harold Prece e datada de outubro de 1928, o autor declara:


“Quanto à Atlântida... acho que algo assim deve ter existido, embora também não apoie nenhuma teoria de que um alto tipo de civilização se tenha desenvolvido lá ... na verdade, duvido. Mas algum continente deve ter sido submerso, ou pelo menos um corpo terrestre de um certo tamanho, uma vez que praticamente todas as cidades têm alguma lenda sobre o dilúvio e as inundações. E os Cro-Magnons apareceram subitamente na Europa, demonstrando um alto tipo de cultura primitiva; Não há nada para mostrar que eles deixaram a barbárie europeia. De repente, seus restos mortais substituíram o homem neandertal, com quem não tinham relacionamento. Então, de onde eles se originaram? Obviamente, em nenhum lugar do mundo conhecido. Eles devem ter se originado e desenvolvido em seus diferentes estágios básicos de evolução em algum lugar desconhecido para nós”. “Os ocultistas dizem que somos a quinta - ao que me parece - grande sub-raça. Primeiro vieram duas raças desconhecidas e sem nome, seguidas de lêmures, depois atlantes e, finalmente, nós. Diz-se que os atlantes são altamente desenvolvidos, embora eu duvide. Eu acho que foram simplesmente os ancestrais dos Cro-Magnons que, por alguma chance do destino, escaparam do destino que varreu o resto de sua raça”.


[...]

Curiosamente, logo após o holandês na história de Howard começar a falar sobre a Lemúria, o autor deixou a história de lado novamente, estacionando-a novamente por vários meses. Entre o verão de 1926 e agosto de 1927, o texano parou de escrever ficção. Foi no final desse hiato que ele vendeu suas duas primeiras histórias do rei Kull: "O Reino das Sombras" (The Shadow Kingdom) e "Os Espelhos de Tuzun Thune" (The Mirrors of Tuzun Thune), embora ele não escrevesse mais histórias de Kull até o início de 1928.


Não é de surpreender que, assim que essas duas histórias tenham terminado, Howard retornou à sua "A Ilha dos Eons", produzindo o que chamaremos de fragmento A3, onde a narração, depois de ter sido uma aventura marinha com tons de Lovecraft ou Hodgson e ter evoluído para um conto de exploração e especulação pseudo-históricas, acabaria se tornando uma história claramente fantástica, com reminiscências evidentes das histórias de Kull, cujos elementos básicos são mencionados.


Howard já havia entrado no trecho final, restando apenas seis frases de sua sinopse (o que constituiria algo como o último trimestre da história). Três anos se passaram desde que ele começou a escrever, mas o resultado, por mais fascinante que fosse, ainda era um material pouco comercializável. Algumas semanas depois, Howard começou a trabalhar em “Post Oaks e Sand Roughs”, seu romance semiautobiográfico que narraria os anos de 1924 a 1928 de sua própria vida. O texano provavelmente sentiu que "A Ilha do Eons" havia desempenhado um papel muito importante em seu desenvolvimento como escritor, e ele a mencionou várias vezes, algo muito notável porque Howard raramente mencionava histórias que ainda não havia vendido, e muito menos que ainda não tivesse terminado.


Enquanto escrevia “Post Oaks e Sand Roughs” durante a segunda metade de 1928, Howard começou e deixou inacabada uma história chamada "Tally Ho", cujo começo narra como um capitão selvagem recruta uma tripulação de homens calejados para perseguir pérolas nos mares do sul. A expedição naufraga e, da tripulação inicial, apenas alguns sobrevivem, incluindo o narrador e um certo "holandês". Muitos elementos dessa história abortada são claramente retirados de "A Ilha dos Eons".


Durante a segunda metade de 1929, Howard voltou a trabalhar de novo em "The Isle of Eons". Nessa ocasião, ele decidiu revisar a história inteira, produzindo 42 páginas de material revisado: um esboço inacabado de 31 páginas (fragmento Bl), do qual acabou descartando as últimas 7 páginas que escreveu novamente (fragmento B2), porém, uma vez mais deixou a narrativa inacabada, avançando consideravelmente menos do que em sua versão anterior.


Esta nova versão de "The Isle of eons" reutilizava a maioria dos elementos da versão anterior - às vezes em uma ordem ligeiramente diferente - mas alterando o marco temporal. A Primeira Guerra Mundial deu lugar a um cenário mais contemporâneo; numerosas cenas foram condensadas, outras excluídas, alguns nomes alterados... Mas, para todos os efeitos, é a mesma história, embora desta vez Howard a tenha abandonado antes da outra versão e o tenha relegado ao seu arquivo para todo o sempre.

(BARCO, Javier Jimenez. La Isla de los Eones y Otras Histórias de Mundo Perdido, 1990, pp.6-14).


O editor e tradutor argentino, Francisco Paco Arellano também nos concede mais algumas informações sobre “A Ilha dos Eons”. Vejamos suas palavras:


"A Ilha do eons, é quase uma novela, ou deveria ter se tornado uma novela que Howard nunca terminou. Ele fala sobre ela em sua autobiografia (O Rebelde), e parece que foi uma série que começou a escrever em várias ocasiões e abandonou-a em outras tantas. [...]. A aventura, embora incompleta, como você verá ao lê-la, é como se fosse uma primeira versão da conhecida história de Howard, chamada de “Gods of Bal-Sagoth” onde dois aventureiros chegam a uma ilha perdida e encontram os restos de uma civilização da qual nada se sabe. A ideia é a mesma de "Os Deuses de Bal-Sagoth", embora aí a história chegue ao fim. Aqui a aventura ficará pela metade (embora seja uma seria, ignoramos os planos que Howard tinha para ela), mas não é difícil imaginar o resultado final, dado os relatos que Howard nos fornece sobre outros personagens que, como os desta obra, viveram as mesmas aventuras com finais sempre trágicos.


Este relato teve várias redações, algumas das quais os personagens chegam à ilha do título após um confronto nas águas do Pacífico durante a Primeira Guerra Mundial. O aparecimento de nomes bem conhecidos na obra de Howard é impressionante, tais como Lemuria e Valusia ... restando apenas mencionar o Rei Kull. Mas os homens-serpentes são mencionados, e a atmosfera geral é de algo que poderia ter se tornado o melhor trabalho de Howard”.

(ARELLANO, Francisco Paco.

La Isla de los Eones. Miscelanea 1. 2013, pp 7 e 8).


Pois bem, terminamos esse breve artigo lembrando que Howard realmente menciona essa narrativa em sua obra autobiográfica e ele enfatiza mais de uma vez não apenas suas rixas crescentes com tevis Clyde Smith, como também o quanto a escrita dessa trama o absorveu, denotando uma importância dada a respectiva narrativa.


Talvez, como nos aponta os dois estudiosos acima com suas belas análises, essa história fosse uma das grandes novelas howardianas de todos os tempos, caso finalizada. Cabe então a leitura com cuidado e afinco, pois quem gosta da escrita visceral de Robert Howard, certamente encontrará elementos deveras conhecidos de suas aventuras fantásticas.

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