Estreando em abril de 1934 nas páginas de Weird Tales, Sombras de Ferro ao Luar foi escrita por Howard logo após o conto O Colosso Negro.
Por Etienne Navarre
A história começa com uma jovem escrava fugindo de seu mestre através de um pântano localizado perto do mar de Vilayet, o grande mar interior que na Era Hiboriana corresponde ao Mar Cáspio. Antes que Shah Amurat possa capturá-la, ele se depara com um bárbaro louco de raiva que derrotou alguns dias antes. Querendo vingar os kozakos caídos nas margens do rio Ibars, Conan entra em combate contra seu rival, aniquila-o sem piedade e leva a garota com ele para que os homens do morto não a matem quando encontrarem o corpo de seu senhor. Durante a viagem num bote, eles chegam a uma ilha sem nome, onde são atacados por uma presença misteriosa escondida na selva. Em busca de refúgio, eles passam a noite em algumas ruínas decoradas com estátuas de ferro temíveis. Howard habilmente combina três perigos diferentes que se apresentam ao casal na ilha misteriosa. Por um lado, a presença oculta de alguma criatura monstruosa que os persegue da selva e acaba se revelando um enorme homem-macaco. Por outro, a ameaça daquelas estátuas que, como o título antecipa, despertam da maldição a que foram condenadas por sua maldade sob o brilho dos raios lunares. Finalmente, a chegada de alguns piratas com os quais Conan tenta se juntar (é claro, matando seu líder em um duelo, de acordo com as leis dos Homens Livres) e que, sem suspeitar, acabarão se expondo ao ataque das estatuas de ferro. Howard foi influenciado nesta ocasião pelas brilhantes histórias escritas por Harold Lamb sobre Khlit e os cossacos de Zaporozhie (que Howard transformaria no Zaporoska na sua adaptação a Era Hiboriana).
Os romances de Harold Lamb sobre os cossacos zaporozhianos não seriam, no entanto, a única referência que Howard usou para construir Sombras de Ferro ao Luar. Uma de suas cenas mais emblemáticas, o duelo entre Conan e Sergius pela capitania dos piratas de Vilayet, veio de um dos filmes favoritos do escritor texano: The Black Pirate (O Pirata Negro, 1926), estrelado por Douglas Fairbanks. E o mesmo poderia ser dito das leis que governavam a Irmandade, nas quais também se vislumbrou a influência de outro dos grandes nomes do pulp: Rafael Sabatini, cujas histórias de piratas, como as de cossacos de Lamb, apareciam regularmente em Adventure, o pulp mais admirado por Howard e no qual ele fez inúmeras tentativas de publicação.
Do mesmo modo, Sombras de Ferro ao Luar também transformou uma parte importante de sua trama em antigas ruínas ciclópicas, deuses esquecidos e civilizações já extintas, que de alguma forma evocaram o cenário das obras de Lovecraft e seus seguidores (entre os quais o próprio Howard se encontrava) ao redor dos mitos de Cthulhu, revelando especialmente neste sentido as palavras que Olivia disse a Conan depois de fugir das ruínas onde se refugiaram:
“ - Deuses esquecidos. Quem sabe? Desapareceram nas águas quietas dos lagos, no centro das montanhas, nos abismos siderais que existem além das estrelas.”
Howard faz uma pequena piscadela, um pequeno sinal, de qual seria essa cidade a qual eles chegaram: Shah Amurath chama seu cavalo veloz de Irem, nome dado por Lovecraft a uma cidade perdida no deserto da Arábia, às vezes chamada "Sem Nome" ou "das Colunas”, construída inúmeros milênios atrás por criaturas de aparência humana e cabeças de crocodilo, o que nos leva à memória dos homens serpentes de Valúsia. De fato, embora a idéia tenha vindo do poema de Alfred Noyes, The Parrot, outra das chaves da história, as palavras misteriosas que o velho papagaio repetiu enquanto sobrevoava a selva fazia lembrar a frase enigmática que Lovecraft, por sua vez, havia usado em seu romance Nas Montanhas da Loucura. O próprio Lovecraft felicitaria Howard por sua inclusão na história, considerando que aquelas frases pré-humanas, colocadas na boca do papagaio antigo, foram um verdadeiro golpe de mestre diante do mistério que cercava a história. Por sua vez, o papagaio tinha repetido as palavras que foram antes ditas por um deus, tal como foi revelado a Olivia num pesadelo que inquieta a jovem:
“Olívia sonhou, e em seus sonhos aparecia constante e obsessivamente um ser maligno, semelhante a uma serpente negra, que deslizava por uns jardins floridos. Seus sonhos eram fragmentados e cheios de cores, como exóticas peças de um desenho desconexo e desconhecido, até se cristalizarem numa cena de horror e loucura, contra um fundo de pedras e colunas ciclópicas. A moça viu, em sonhos, um grande salão, cujo teto, muito alto, era sustentado por colunas de pedra, encostadas em filas regulares às paredes resistentes. Entre os ditos pilares revoavam papagaios de plumagem verde e escarlate. A sala estava abarrotada de guerreiros de pele negra e rosto aquilino. Mas não eram homens da raça negra. Tanto eles quanto suas roupas e armas eram-lhe absolutamente desconhecidos.
Agrupavam-se em torno de alguém que estava amarrado a uma das colunas. Tratava-se de um rapaz esbelto, de pele branca e cachos dourados. A beleza do jovem não era em absoluto humana... era como o sonho de um deus, esculpido em mármore vivo.
Os guerreiros negros riam e zombavam dele numa língua estranha. A figura delgada e nua se retorcia sob aquelas mãos cruéis, enquanto o sangue deslizava por suas pernas de marfim e salpicava o chão polido. Os ecos dos gritos da vítima ouviam-se por toda a sala. Então, o jovem levantou a cabeça em direção ao forro do teto e pronunciou um nome com uma voz estremecedora. Uma adaga, empunhada por uma mão de ébano, interrompeu-lhe o grito, e sua cabeça dourada caiu sobre o peito de marfim.
Como resposta ao lamento desesperado, ouviu-se o retumbar de uma espécie de carruagem celeste e, diante dos assassinos, apareceu uma figura que dava a impressão de ter se materializado no ar. A forma era humana, mas nenhum mortal havia jamais desfrutado de beleza tão sobre-humana. Existia uma inconfundível semelhança entre ele e o jovem morto, mas os traços de humanidade, que suavizavam as feições do jovem, não existiam nas do desconhecido, que resultavam surpreendentes em sua beleza.
Os negros recuaram diante da aparição, com olhos que eram como riscos de fogo. O desconhecido levantou a mão e falou, e as ondas de sua voz ressoaram através das silenciosas salas com tons profundos e cadenciosos. Como se estivessem em transe, os guerreiros negros continuaram recuando até ficarem alinhados ao longo das paredes, em filas regulares. Então, dos lábios cinzelados do desconhecido, surgiu uma terrível invocação, que era uma ordem:
- Yagkoolan yok tha, xuthalla! Ao escutarem aquele grito terrível, as negras figuras ficaram rígidas, como que paralisadas. Seus membros adquiriram uma estranha aparência pétrea. O desconhecido tocou o corpo inerte do jovem, e as correntes que atavam-no caíram a seus pés. Levantou o corpo em seus braços e começou a afastar-se, enquanto seu olhar sereno percorria as silenciosas filas de figuras de ébano. Apontou com a cabeça para a lua, que brilhava através de algumas brechas no teto. Aquelas estátuas rígidas e expectantes, que haviam sido homens, compreenderam... ”
Howard poderia ter usado aqui o kothiano antigo, uma possibilidade segundo a filologia do blog Triple Blade Sword : “ O significado exato da frase 'Yagkoolan yok tha, xuthalla', que aparece duas vezes no episódio de Conan, Sombras de Ferro ao Luar, confunde estudiosos. Geralmente, supõe-se que seja um encantamento ou jargão e, em qualquer caso, não traduzível. De fato, é reconhecível como uma forma arcaica de kothiano. Conan é conhecido por ter falado fluentemente o kothiano, mas não é de surpreender que ele tenha ficado intrigado com a forma mais antiga encontrada aqui, nem reconheceu que o que ouviu foram "palavras humanas".
A palavra yagkoolan era atual na época dos kothianos de Conan e ocorre durante o episódio da Cidadela Escarlate, onde o kothiano é falado: "Que ano é esse?" ele (Pelias) perguntou, falando kothiano. "Hoje é o décimo dia do mês, Yuluk, do ano da gazela”, respondeu a Conan. "Yagkoolan Ishtar!" murmurou o estranho. "Dez anos!" Ele passou a mão na testa e balançou a cabeça como se quisesse limpar o cérebro de teias de aranha. “Tudo ainda está escuro. Após um vácuo de dez anos, não se pode esperar que a mente comece a funcionar claramente de uma só vez. Quem és tu?"
O verbo yagkol significa 'maldição', 'maldição', 'shun' ou 'cuidado'. Yagkoolan é um aviso ou uma forma imperativa. Relevante para interesse comparativo: O yag raiz é certificado como uma palavra de empréstimo no idioma Zamoran não relacionado. Nesse contexto, Yag aparece como o nome de um planeta distante, lar da criatura alienígena Yag-kosha. Kosha em si não é uma palavra "alienígena", mas uma palavra zamoriana bem certificada para "capa", "pele" ou "membrana" com origem indo-européia atestada, cf. Kośa sânscrito m .; Koža russo (pele). Corretamente falando então, 'Yag-kosha' significa 'destinatário Yag', ou 'abraçador Yag'. Comum à maioria dos empréstimos estrangeiros em zamoraniano, yag não diminui. Yok, que significa 'todos vocês', é uma forma rara do pronome plural da segunda pessoa, que só aparece no arcaico kothiano e era obsoleto na época da Crônica de Conan. A partícula que atua como um intensificador para o verbo.
Xuthalla é outra palavra interessante. O final - é indicado pelo caso vocativo de xuthal. Alguns estudiosos tentaram encontrar uma conexão com a antiga palavra xu para Kolasa, que significa 'verde', que sobrevive nos nomes das cidades de pedra verde construídas nos reinos negros pelos kosalanos. De fato, isso é parcialmente correto, pois Xuthal deve ter se referido originalmente a visitantes da cidade de Xuthal, mas mesmo nos textos kothianos mais antigos, ele assume um significado mais geral, referindo-se a qualquer pessoa de origem estrangeira incomum. , que, de uma perspectiva kothiana, certamente se aplicaria ao Conan cimério. A palavra xuthal era completamente obsoleta na época de Conan. Afinal, é possível apresentar a primeira aparição de 'Yagkoolan yok tha, xuthalla' como 'Cuidado, estrangeiros' e a segunda aparição como 'Sejam amaldiçoados, estrangeiros'. Há uma sutil sensação de ironia na mudança no significado do verbo, que passa de oferecer um aviso a uma maldição.”
As fontes deles são os livros : 1- H. Gröter, «Studien über den Verfall derzamorischen Deklination»,Zeitschrift fürhyperboreischen Linguistik, 32 (1901), 414-521 (p.490) 2- A. Evans, 'Estudos comparativos em proto-kothiano com referência especial a empréstimos com significado cultural',Journal of the British Archaeological Society of Khoraja, 23 (1977), 211-319 (p.247). 3- H. Persson,Topografische Wörterbuch zu den Kolasatexten(Colonia, 1954), p.77.
Aqui podemos ver a grande erudição e a enorme cultura que possuia Howard, seus grandes conhecimentos não se limitavam a História, sua paixão, mas também tinha vastos conhecimentos sobre linguística, mesmo sendo autodidata. Também é significativo o fato de Howard fazer sempre seus personagens ter sonhos revelados em templos antigos, outro indicador de seus extensos conhecimentos sobre História e o quanto ele levava a sério seu trabalho. O Harper’s Bible Dictionary diz: “Os babilônios estavam tão confiantes nos sonhos que, na noite anterior à tomada de decisões importantes, dormiram nos templos, à espera de conselhos. Os gregos que desejavam receber instruções de saúde dormiam nos santuários de Asclépio [cujo emblema era uma serpente] e os romanos nos templos de Serapis (que às vezes era associado a uma serpente enrolada). E embora Howard não diga, o deus que aparece dizendo essas palavras é Nodens, Senhor do Grande Abismo, um deus arquetípico importado da mitologia celta. Ele geralmente aparece como um homem velho com uma barba grossa, vestido com uma túnica longa. Outras vezes, ele aparece como um homem musculoso, de cabelos castanhos e meia-idade, montado em um carro em forma de concha puxado por bestas mitológicas, grifos e unicórnios presos a arreios.
É possível que o nome Nodens venha das raízes celtas noudont- ou noudent-, associadas ao verbo germânico que significa "adquirir, caçar". Como um deus celta, Nodens veio especialmente da antiga tradição britânica e também da Gália (antiga França). Ele era um deus do mar e da caça. Os habitantes da mítica Atlântida adoravam Nodens sob o nome de Chozzar, e eles o tinham como um Deus da Magia. Eles construíram seus templos com cúpulas e colunas de mármore, onde os prelados entraram em transe para receber instruções místicas. Os druidas também prestaram homenagem a Nodens sob o disfarce de "Nuada" ou "Ludd" (Aquele que cria as nuvens), que é possivelmente um de seus avatares. O texano tinha descoberto a fórmula que lhe garantia que Farnsworth Wright compraria as histórias do bárbaro. Mulheres com pouca roupa, mistério e suspense, muita ação, criaturas sobrenaturais, cidades em ruinas, e muita aventura.
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